Sobre a crítica literária e histórias de fantasia

Ao terminar de ler as crônicas de Nárnia (o único livro até hoje que me apresentou o cristianismo de uma maneira que eu realmente passei a gostar) tive uma alegre surpresa ao ver no final um “bônus” que a editora resolveu colocar ali, um artigo do próprio C.S. Lewis intitulado “3 maneiras de escrever para crianças”. Nesse pequeno texto de umas 3 páginas descobri que o autor pensava quase exatamente como eu sobre o que é a literatura, o que leva crianças a procurarem esse mundo fantástico e o triste fim que esse anseio leva ao se “crescer” e começar a ler “coisas de adultos”.

Então ano passado estava olhando em um sebo e vi um pequeno livro de bolso com o nome “Um experimento na crítica literária” do próprio C.S. Lewis (aquele mesmo da bruxa, do leão e do guarda-roupas). O livro parece ampliar suas idéias de uma forma quase amadora, no bom sentido, dizendo as opiniões do autor sobre uma área que ele tem mais conhecimento prático que técnico de fato. Fiquei impressionado com exposições de um cara da época de Tolkien que fizeram pleno sentido, para mim pelo menos, sobre a situação atual da crítica literária (não necessariamente da literatura atual em sí).

E então resolvi animar a escrever de novo aqui, sobre meu ponto de vista do assunto \o/.

Antes de tudo eu recomendo a leitura desse livro a qualquer pessoa que tenha gostado de algo como Harry Potter, A torre negra, Sandman, Brumas de Avalon, etc, e que já ouviu pessoas depreciando tais literaturas como “infanto-juvenil” ou escapismos. O livro toca muito nesses pontos. Porém também estamos falando de um autor velho  rabugento, católico fervoroso, possivelmente tradicionalista e que disse ao seu amigo Tolkien que o manuscrito de senhor dos anéis nunca iria vender. O que isso significa? Que o livro dele também é recheado de partes um pouco questionáveis no mínimo, com muito moralismo e prejulgamento. Se por um lado muito positivo ele faz uma análise (que desenvolverei mais pra baixo) fantástica de como a crítica literária atual é quase inútil, moralista e serve somente para ostentar um nicho de críticos consagrados, por outro ele faz o mesmo propondo um novo sistema que separa “leitores bons de ruins”.

Mas não pretendo fazer uma revisão de seu livro aqui, somente usa-lo para sustentar minha opinião sobre o nível que a crítica literária esta. E nisso temos dois pontos principais: Fantasia como estilo literário é um gênero marginal na grande literatura e a crítica atual é feita para julgar as pessoas que lêem, e não os livros de fato.

No primeiro ponto vemos isso facilmente notando como é ensinado (e cobrado nos vestibulares) literatura e seus gêneros. Todos os “grandes clássicos” permanecem na realidade. Quando muito considera-se sendo uma fantasia o pequeno desvio de algum deles ao se situar em uma cidade que nunca existiu de fato. A Fantasia de fato (Hogwarts, Gondor, Avalon, etc) sempre é relegado como uma brincadeira de crianças, literatura para quem “ainda não é adulto”. Tais histórias são vistas, pelos críticos mais ferrenhos, como escapismo. Uma forma de pessoas que tem a mente fraca fugir da dura realidade.

Porém tal análise da literatura fantástica é muito incompleta por diversos motivos. Podemos notar primeiramente que essa é uma mania recente de supervalorizar o que se chama de realismo em detrimento ao incrível. Mesmo nos grandes clássicos aclamados pela crítica pode-se notar que as histórias mais famosas de épocas antigas são justamente as fantásticas. Pouco restou de livros que nos dizem o dia a dia comum dos gregos, romanos ou mesmo da baixa idade média como literatura. Os clássicos aclamados são justamente histórias sobre o incrível e fantástico. A Odisséia, Noite de Verão, todo o ciclo Arturiano, as Eddas, a história de Troia,etc todos são contos que fogem do dia a dia. Eles mostram o fantástico, o mito em contato com o homem e suas consequências incríveis. E mesmo com toda essa bagagem fantástica, que era escrita para homens e não para crianças da época, ainda sim a fantasia atual é um gênero marginal deixado como uma brincadeira de criança. Em tais épocas a fantasia não era vista como um escapismo da realidade, eram as historias que adultos contavam entre sí por diversos motivos.

Outro ponto importante quanto a caracterização da literatura fantástica como escapismo esta em como classificar-se tal ato. Dizer que um livro induz ao escapismo porque aparece um dragão nele é muito simplista. A fantasia é explícita em sua “fuga” da realidade, ela diz claramente o que não é real. Dificilmente um jovem vai acreditar ferrenhamente que poderá voar para hogwarts na  vassoura de sua casa. Claro ele irá com certeza fantasiar isso enquanto lê Harry Potter e poderá se pegar imaginando como Vigardium Leviosa poderia ser útil na sua vida. Do mesmo modo que um advogado crescido pode se pegar fantasiando em como seria bom ganhar na megasena. Isso não é escapismo, é meramente divagar sobre o fantástico e as pessoas fazem isso com ou sem literaturas fantásticas. Mas não duvido que existam literaturas que incentivem o escapismo. De fato podemos ver como exemplos gritantes 50 tons de cinza. Não existe nada de fantástico ou irreal no livro, pelo menos não materialmente. Porém nota-se que toda a história, todos as ações e linhas de pensamento dos personagens são estritamente guiados para fazer a ilusão no leitor de que aquilo poderia acontecer com ele, que sua vida comum poderia ser Mais do que ela é. Que o que o livro mostra, por não conter nenhum dragão, magia, nada fantástico, poderia muito bem ser sua vida própria. Em um outro exemplo de escapismo que não usa do fantástico para se-lo, apesar de conter fisicamente elementos fantásticos, temos Crepusculo que segue na mesma linha. O ponto focal do escapismo não envolve haverem vampiros ou lobisomens, mas uma história absurdamente improvável na qual a protagonista (descrita exatamente para que todas pessoas se identifiquem com ela) passa a ser desejada e importante para todos os símbolos sexuais no mundo dela, em um resumo grosseiro. E esse tipo de fantasia psicológica, a fantasia que diz ao leitor: “olha isso poderia acontecer com você”, pode induzir a um escapismo ruim, ao invés de simplesmente criar um estado de devaneio comum a literaturas de fantasia. Muitos outros livros considerados “realistas” também caem nessa mesma categoria, apresentando um mundo totalmente normal e comum porém com personagem que tem atitudes muito irreais somente para que a historia se desenvolva de modo a criar exatamente o que o leitor gostaria que ocorresse consigo mesmo na vida real, tramas da alta sociedade, romances com infinitas personagens que desejam ardentemente o protagonista, vidas luxuosas e sem trabalho, etc.

Bem o segundo ponto é sobre como a crítica literária atualmente julga quem gosta ou não do que é considerado um bom livro, e não o próprio livro em si. Mas o post ta grande, eu já to me perdendo infinitamente então vou deixar pra depois mesmo.

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