A fascinante experiência da leitura. E como arruiná-la

Ê laiá, bora voltar de férias e continuar com o projeto de escrever semanalmente…. é impressionante como é fácil perder um hábito desse tipo, so ficar um dia sem escrever direito e ai você adiciona outro e outro. Enfim vamos voltar e tentar com algo leve, um texto curto e de opinião pessoal (ai não preciso gastar tempo fazendo mil pesquisas). Ja falei um pouco desse assunto aqui e aqui, mas bora falar mais.

Qual das frase abaixo tem maior chance de te convencer a ler um livro/ver um filme?

“Nossa eu adorei X, sério que não notei o tempo passando enquanto estava vendo. E perto do fim eu ja estava deixando de dormir para ver o final da tão ansioso. Tem cada reviravolta no roteiro, e umas traições que se eu falar qualquer detalhe ja é spoiler. Mas eu nunca tinha imaginado o que rolou. Sério me transportou total para o mundo, você tem que ler”

“Nossa eu adorei X, sério que a influencia do autor no romantismo é incrível. E o conhecimento dele da regência verbal quando cria neologismos te faz precisar procurar o dicionário que ele criou para poder ler! Tem cada metáfora subjetiva que só é possível entender lendo outros comentadores que você nem imagina. Sério, é um autor que todos críticos recomendam”

Claro, existem mil gostos diferentes, além de pessoas que adoram dizer que são o oposto da escolha obvia, mas no dia a dia é comum ver o contexto em que cada uma das frases se encaixa. Críticas, principalmente literárias, tem um tom obviamente diferente de uma recomendação casual de um livro para um amigo. Mas é curioso notar quando tais críticas especializadas passam a se tornar o único meio de se “aproveitar” um livro. Quando alguém te recomenda um autor por suas tecnicidades exacerbadas pela academia. E isso fica ainda mais profundo quando se torna o motivo único de se ler.

Acho que foi isso que me afastou TANTO da literatura brasileira. Desde que me lembro das primeiras aulas de literatura, os “clássicos” eram recomendados por mil motivos, nenhum deles relacionado ao prazer de ler. Eu tinha que ler “O alienista” porque ele era um símbolo do romantismo brasileiro da época de X  “Contos Amazônicos” devia ser apreciado porque marcava o indianismo brasileiro e usava expressões (que eu nunca entendia) do norte do brasil indo contra as tradições da época. Grande Sertão Veredas é um caso único em que a maior parte dos professores citava como sendo o ápice do prazer ter que usar um dicionário inventado pelo autor para sequer conseguir acompanhar a obra.

Não que as tecnicidades acadêmicas não tenham valor. Eu como físico gasto HORAS do meu dia apreciando um joguinho chamado Kerbal em que se simula da maneira mais realista possível o lançamento de um foguete. Sim eu adoro gastar meu tempo em um jogo em que eu basicamente fico fazendo contas com impulso específico, relação impulso/massa, velocidades de escape etc. Mas eu não obrigo ninguém a gostar somente desse tipo de jogo, como se somente isso fosse digno de se apreciar em jogos de computador.

Enfim, devido a esses motivos a literatura brasileira foi para mim um amontoado de tecnicismos (e muita masturbação intelectual) até muito tempo. Por uma incrível coincidência eu acabei me deparando com uma série do Jaques Cousteau e dela passei a outros livros de fantasia e ficção, salvando assim meu hobby de leitura. Dependesse de minhas aulas de literatura, eu continuaria acreditando que todo livro foi feito para se analisar como uma equação, achando técnicas do autor, influências de períodos históricos, analisando regências e neologismos. Mas nunca lendo a história e sentindo prazer nisso. Nunca se perdendo.

E eu penso quantas outras pessoas não devem ser assim. Quantas pessoas ja leram dezenas de livros e os acham chatos porque foram ensinados a analisar um livro como a uma apostila. E assim perdemos ainda mais leitores em potencial, aumentando a situação ja precária de leitura no brasil.

Vendo pessoas tanto do ensino médio como adultos ja no doutorado falando que não gostam de ler, que o fazem só por obrigação, eu sempre me pergunto o que a pessoa ja leu. Ou melhor, como ela leu. É difícil acreditar que existe alguma pessoa que de fato não goste de ler “at all”. Eu prefiro acreditar que ela ainda não achou algo que a prenda. E considerando como nos ensinam a “apreciar” literatura, é fácil imaginar que tais pessoas vejam livros somente como apostilas.

Quem ja se perdeu em um livro sabe o que eu estou falando. Não é sobre ler e enquanto isso estar pensando: qual é o nome desse recurso literário? De qual período vem essa influência? Esses neologismos são de que região?

É sobre aquele livro que você começou um dia e de repente notou que ja era noite, todos estavam dormindo e você tinha perdido o almoço e a janta. É sobre começar a ler Stephen King e ir dormir com as luzes acesas. Sonhar com o castelo do Drácula de Bram Stoker de tão atmosférica que foi a descrição criada pelo autor. Prometer ler só mais um capítulo do Bernard Cornwell e não conseguir ir dormir antes do fim do livro. Eu sinceramente duvido que alguém possa ter essas sensações e ainda sim odiar literatura. Mas mesmo o melhor livro pode se tornar um compêndio chato ao se ler tentando de todas as maneiras não ser sugado pela história.

Claro que se você quer ANALISAR o porque Saramago faz tanto sucesso, faz todo sentido ler o livro tentando notar todos os mínimos detalhes. Agora, não espere que o Evangelho segundo Jesus Cristo seja algo que te prenda por um dia inteiro se você não der espaço para a historia fluir por você. Se a cada paragrafo você precisa parar para uma análise acadêmica, a obra simplesmente estagna. É como pausar um filme a cada cinco minutos para analisar a fotografia. Pode ser extremamente útil para uma análise técnica, mas mata toda a narrativa.

Como disse o King, uma historia é boa quando você se esquece do narrador, quando você prossegue lendo sem se dar conta de que existe alguém narrando. Aquele ponto mágico que você não nota mais seus olhos passando pelas palavras, sequer você se lembra de ter virado a página. A história simplesmente flui em sua mente, as paisagens, os personagens, tudo. E ai sim dá para experimentar o livro em sua plenitude.

Enfim, um livro pode ou não ser uma boa leitura. Mas sendo ou não um bom livro, ele nunca será uma experiência transcendental se você se fechar para a história.

4 comentários

Deixe um comentário