Como NÃO usar jogos na educação

Ok, saindo um pouco do tom mais morno das postagens, hoje serei abertamente contra um ponto que vem me irritando a algum tempo, o uso de jogos na educação. Ou melhor, o mal uso deles na educação. E mal uso é um eufemismo. O velho testamento é bom perto de como  jogos são usados na educação. Invadir a Rússia no inverno é uma boa ideia perto do uso de jogos na educação. Luciano Hulk como presidente é… bem vocês entenderam.

Mas por que todo esse ódio?

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Porque esse é um tema que me fascina muito, e é impossível ficar imparcial vendo tantas oportunidades boas de melhorar o ensino sendo desperdiçadas de uma forma horrível, e criando uma fama quase permanente de que jogos educativos são inerentemente ruins.

Ok, dado o aviso inicial de que eu não estou sendo parcial aqui, vamos começar de fato a postagem. O uso de jogos na educação é um tema bem antigo, e muitos educadores, pedagogos e professores já tentaram se aproveitar das mais diversas formas de jogos para ensinar seus alunos. Apesar de hoje em dia jogos eletrônicos estarem mais na moda, jogos de tabuleiro, dados, cartas e mesmo atividades físicas já foram usadas (e ainda são) em projetos experimentais para o ensino.

Então qual o problema? Bem, ao se procurar jogos educativos no google, a imagem que surge é a seguinte:

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Ok, legal, existem muitos jogos educativos! Você vê algo mais que chame a atenção na imagem? Sim. Quase todos os jogos são na verdade o mesmo jogo, Trilha. O jogo mais simples, e chato, possível de se imaginar. Cada jogador é um peão em uma trilha de casas. Cada um joga um dado e anda quantas casas sair no dado, e o que chegar ao fim primeiro ganha. Mais divertido que isso só uma operação de canal.

Ah, mas não é só isso, os jogos são educativos Marco, quando você joga o dado precisa também responder uma pergunta da matéria. Exatamente. E isso so torna o jogo mais chato ainda. Note que a mecânica de jogo e a mecânica “educativa” estão totalmente isoladas. Isso não é um jogo para educar ou ensinar, isso é uma prova na qual a cada pergunta você joga um dado e mexe uma peça colorida numa folha quadriculada. Quando muito. O que eu vejo é o assassinato a sangue frio da capacidade de fascinação de um aluno.

E aqui precisamos deixar um ponto bem claro. A imagem acima poderia ser uma simples coincidência, e na verdade existirem diversos jogos educativos diferentes. Mas uma busca rápida por artigos de educação sobre jogos educativos (tanto no ensino médio quanto, pior ainda, para universitários!) retornará dezenas de jogos de trilha em sua grande maioria. E enquanto as mecânicas de “educatividade” podem variar um pouco, elas se baseiam em sua grande maioria em disfarçar uma prova com dados, cartas ou outra atividade (achei um jogo proposto em que os alunos jogavam boliche, e quem acertava os pinos respondia uma questão da matéria para que seus pontos contassem).

O ponto inicial aqui é que todos esses modelos são jogos (que particularmente também são chatos por si mesmos) que entre uma jogada e outra exigem que o jogador faça uma “mini” prova para contabilizar seus pontos. Por mais que a maioria dos professores (e adultos em geral)  tendam a ver crianças como mini-adultos burros, a coisa mais surpreendente é que crianças (e adolescentes e alunos em geral) NÃO são burros, e eles conseguem entender perfeitamente bem o que aquilo é: um faz de conta em que o professor finge usar uma atividade diversificada e eles ganharão mais pontos se fingirem que estão se divertindo. Claro que eles poderiam se divertir em alguns jogos educativos. Mas definitivamente  não será nesses jogos mal feitos e simples, que tratam o aluno como alguém burro, sem o mínimo de cuidado para criar mecânicas desafiantes ou sistema coerente de jogabilidade.

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Descrição de um adolescente segundo um pedagogo típico.

Uma prova muito simples e rápida do quão fracassado é o sistema de jogos educativos é fazer para si mesmo a pergunta: eu jogaria esse jogo num sábado a noite com meus amigos? Claro que muitos dirão que os alunos responderam questionários e questionários dizendo que o jogo foi “muito educativo” e que eles “aprenderam muito” com aquele jogo. Mas sinceramente, qual outra resposta possível de um aluno que simplesmente quer agradar o professor para passar na matéria?

Olhe essa imagem abaixo e me diga sinceramente se você gostaria de passar umas 3 horas de seu fim de semana jogando dados e caminhando numa trilha linear com um peãozinho, respondendo perguntas chatas de uma matéria que não é de seu interesse.

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Outra maneira simples de verificar a eficácia de jogos educativos é verificar rapidamente o mercado de jogos e quantos dos jogos vendidos são “educativos”. Sim, obviamente isso é sacanagem, afinal o “objetivo” de um jogo educativo não é vender para o mercado capetalista malvadão. Mas essa questão pré-supõe um ponto importante, afinal QUAL é o objetivo de um jogo educativo então? Educar? Ou ser divertido? Se de fato tais jogos fossem divertidos, independente de serem educativos, alunos estariam jogando, e comprando eles por ai. Mas o que ocorre é o oposto, e vemos com uma frequência enorme que alunos jogam eles como uma obrigação escolar, para depois esquece-los para sempre. O que não é de se impressionar, afinal, você preferiria ficar jogando dados no joguinho acima ou isso:
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Sim, comparar um joguinho educativo de trilha com Overwatch é chutar cachorro morto. Mas é exatamente esse tipo de noção de realidade que parece faltar quando se fala de educação.

Não somente alunos de ensino médio, mas universitários (e boa parte dos professores hoje em dia) usam seu tempo livre para jogar coisas como League of Legends e Overwatch no mundo virtual, ou mesmo Katan e Munchiking no nível de boardgames. É ridiculamente inocente imaginar que joguinhos de trilha, com mecânicas mais desatualizadas que a propaganda do Dolynho, consigam prender a atenção de qualquer pessoa. E se você está construindo um jogo educativo já planejando que ele seja chato, porque sequer fazer isso? Por que simplesmente não gastar energia desenvolvendo um método de ensino mais eficaz?

 

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Diagrama esquemático das mecânicas de um jogo educativo

 

A única impressão que fica, é que professores que criam jogos “educativos” na verdade vêem alunos como seres totalmente desprovidos de raciocínio lógico, fazendo jogos extremamente bobinhos, que eles próprios nunca sequer chegariam perto para jogar por conta própria. Ou, pior ainda, que são criadores que sequer tem contato algum com jogos, fazendo a associação super comum (e absurda) de que se você simplesmente “amarrar” um dado ou um tabuleiro a uma prova, automaticamente aquilo se torna um jogo divertido, e todos vão “aprender jogando”.

Sim, eu fiz essa postagem com um alto nível de putecência em meu coraçãozinho, mas por um motivo bem claro, jogos educativos NÃO precisam ser chatos. O que vemos na maioria dos casos não é devido à educação ser inerentemente chata, mas simplesmente pelo descaso que criadores de jogos educativos tem pela parte de “diversão” do jogo.

E se você acha que não, que jogos educativos inevitavelmente são sem graça, porque aprender é algo repetitivo, essa visão provavelmente vem do fato de você ter tido pouco contato com jogos educativos divertidos (afinal, eles são absurdamente raros de fato). Mas isso não é impossível, e  acaba que vez ou outra surgem excelentes professores e desenvolvedores de jogos com idéias brilhantes, e talvez haja uma postagem futura sobre o tema.

Como exemplo disso, é fácil re-lembrar como o RPG O desafio dos Bandeirantes permitia o professor explorar e ensinar sobre toda uma época sem precisar recorrer a mecânica de “perguntas e respostas” para obtenção de pontos. Isso para citar somente o exemplo mais famoso no Brasil de RPG educativo, porque o que não faltam são cenários históricos realistas de RPG que podem ser trabalhados de maneira fantástica (e divertida) com alunos. Ou o uso de Alternative Reality Games (ARG) para criar “jogos” que duram semestres e até mesmo anos inteiros envolvendo diversas salas de estudantes e até alunos de cidades diferentes (melhor exemplificado no excelente vídeo Gamificando a Educação).

E evidentemente eu citei primeiramente os exemplos de jogos educativos “reais” pois os melhores exemplos, de longe, de jogos educativos atuais estão dentro da categoria virtual. Jogos de simulações físicas estão surgindo aos montes e funcionam de maneira fantástica como caixa de areia para alunos aprenderem conceitos (Poly bridge, world of goo, Space Engineers, Besieged, Universe Simulator, etc). E obviamente eu não poderia deixar de fora minha paixão eterna que consome horas e horas da minha vida: Kerbal Space Program, um simulador de programa espacial onde você pode planejar missões, construir e pilotar foguetes e naves espaciais. Se alguém me sugerisse um jogo com mecânica física realista, em que o jogador precise entender conceitualmente a ideia de efeito Coriolis, mecânica orbital, manobras de transferência, conservação de energia, etc, eu acharia facilmente que tal jogo não venderia uma cópia sequer, nem para a mãe do diretor principal. E ainda sim, esse maldito jogo viciante (que já me tirou felizes300 horas de jogo), aparentemente, vendeu o dobro que o gigante Call of Duty Modern Warfare na steam. Isso sem qualquer campanha de marketing forte ou um estúdio bem estabelecido!

Sim, jogos divertidos podem sim ser educativos, mas para isso temos que mudar o foco da abordagem, deixando de tentar criar provas “divertidas”, e criando jogos divertidos (e que coincidentemente ensinam algo).

 

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